A CRIANÇA QUE NÃO FALA – MUTISMO SELECTIVO
O mutismo selectivo pode ser compreendido como um
medo inadequado de falar fluente e espontaneamente, que surge particularmente
em contextos fora de casa e que se pode prolongar até à fase da adolescência.
Para os especialistas da saúde mental o mutismo selectivo surge como uma
perturbação de ansiedade na infância.
Normalmente acontece nas crianças mais pequenas, por volta dos 3 anos de idade,
embora as queixas se acentuem mais no final do pré-escolar e inicio do 1º
ciclo, sendo que as raparigas são mais propensas a apresentarem este problema
comparativamente com os rapazes, estimando-se uma prevalência inferior a 1% em
idade escolar. É nesta idade mais precoce que as crianças são mais renitentes
em estabelecer contacto e a relacionarem-se com pessoas estranhas. Na realidade
estas crianças não apresentam nenhuma perturbação da linguagem, nenhum atraso
cognitivo ou alterações profundas de desenvolvimento, a não ser este
medo/ansiedade que gera nelas o silêncio perante estranhos ou junto de pessoas
com as quais não se sentem à vontade.
Este problema psicológico interfere na realização escolar e/ou ocupacional e/ou
na comunicação social, estando presente no mínimo há 1 mês e não coincidindo
com o primeiro mês de escolarização, pois a entrada para o jardim-de-infância
ou 1º ciclo surge como uma das primeiras mudanças contextuais significativas na
vida das crianças, onde estas são obrigadas a contactar com estranhos. É nesta
altura que o mutismo selectivo se pode desencadear ou exacerbar, pois quando as
crianças não participarem nas actividades e existe uma ausência de interacção
grupal, torna-se notória e prejudicial esta sua dificuldade de adaptabilidade
ao contexto escolar, colocando pais, educadores e professores em alerta. O desejado
é que após a fase de integração, em que todas as crianças se sentem inseguras e
desconfiadas, ganhem confiança nelas próprias e comecem a estabelecer vínculos
afectivos com as pessoas que as rodeiam (p.e outras crianças,
educadora/professora), permitindo assim que as suas reservas prévias
desapareçam. Mas, quando este silêncio se prolonga no tempo e se generaliza à
maior parte das pessoas, com excepção, da família, deixa de ser um
comportamento adaptativo, colocando em questão a integridade física e mental da
criança, pelo facto de esta se deixar vencer por este seu medo. Este
comportamento desadaptativo, na maior parte das vezes, conduz a dificuldades
nas relações sociais, o que por sua vez, gera uma baixa auto-estima nas
crianças; dificuldades a nível do rendimento académico, uma vez que grande
parte dos professores e educadores se queixam de não conseguirem avaliar
correctamente estas crianças, pois mesmo conhecendo as suas capacidades
cognitivas, a informação que dispõem não é suficiente, comparativamente com as
restantes crianças da sua sala; e inclusive, ao nível da sua saúde física, isto
porque, em grande parte das vezes, muitas destas crianças não conseguem
expressar ao adulto as suas necessidades mais básicas (p.e ir à casa de banho,
ter fome, o ter caído e se magoado). É um problema transitório, mas se a
criança não receber um tratamento atempado e eficaz, no futuro este problema
pode levar a uma diminuição do desejo e vontade de estar na escola, podendo
conduzir ao abandono e insucesso escolar, a consumos de estupefacientes, ideias
suicidas, depressão, fobia social, entre outros.
Estas crianças caracterizam-se por serem crianças tímidas, retraídas,
socialmente inseguras, por norma dependentes, com excessiva rigidez e
perfeccionistas. Quando comunicam, na maioria das ocasiões fazem-no através de
gestos (p.e acenando a cabeça) e quando usam a fala, fazem por vezes com que o
volume da sua voz seja muito baixo, limitando-se outras a apenas sussurrar ao
ouvido. Evitam o olhar (p.e olham para o chão), escondem-se através dos
objectos ou das figuras parentais, sendo as suas intervenções muito breves e
curtas, tentando sempre evitar/escapar a todas as situações sociais em que se
sintam expostas (p.e demorarem muito tempo na casa de banho ou a vestirem-se de
modo a evitarem ir a algum lugar) como forma de alívio ao mal-estar produzido
pelas suas respostas de ansiedade perante tal situação.
Ao falar-se deste problema que afecta algumas das nossas crianças e que
preocupa os pais e educadores/professores, pelas consequências a longo prazo
que daqui podem advir, é necessário distinguir as crianças que têm uma grande
aversão em falar, pois para estas é muito difícil falar em determinadas
situações, das crianças que acham que não podem falar em certas situações
(chamado mutismo selectivo), das crianças que acham que não podem falar em
qualquer situação (mutismo progressivo ou total). No entanto estas últimas são
crianças que deixam mesmo de estabelecer comunicações orais, por mais curtas
que sejam, mesmo com as pessoas mais íntimas, levando assim à deterioração das
suas relações interpessoais e consequentemente, ao isolamento social. Em todas
estas formas, o medo e a ansiedade encontram-se presentes, conduzindo a um
comportamento desadaptativo.
A aprendizagem deste medo desproporcionado de falar nas crianças, tem em muito
a ver com o comportamento dos adultos que as rodeiam. As altas expectativas em
relação às crianças, a punição, a correcção de todas as suas falhas e, até
mesmo, a existência de algum familiar com um problema idêntico, são algumas das
razões que podem contribuir para o desenvolver deste problema psicológico.
De um modo geral, este medo de falar gera nas crianças, alterações corporais,
tais como, o aumento da sudação, da tensão muscular, do ritmo respiratório e da
pulsação cardíaca. Depois, quando a criança consegue evitar ou fugir, podem
surgir as dores de cabeça, de barriga e o ir várias vezes à casa de banho. Por
outro lado, alterações comportamentais, como roer as unhas, levar os dedos ou
parte do seu vestuário à boca, balançar as pernas ou o corpo, tiques, entre
outras, são alterações que também dai podem advir. Este medo é igualmente
causador de um grande sofrimento emocional e pessoal e por isso, estas crianças
necessitam de ajuda especializada para que este silêncio como resposta não faça
parte do seu reportório vivencial.
Muitas das vezes, com o passar dos dias, dos meses e até mesmo dos anos, este
problema começa a agudizar-se, não sabendo as escolas e os pais como o
solucionar. Nessa altura surge a necessidade de uma intervenção especializada
que permita a modificação das respostas fisiológicas e cognitivas
desencadeadas, sendo que a criança é uma das primeiras a querer ver este
problema resolvido, pois estão motivadas para fazerem amigos e terem sucesso
nas aprendizagens. No entanto não se trata de um comportamento voluntário ou de
uma birra, como muitos poderão pensar. São sobretudo crianças que se deixam
vencer por este medo, que as obriga a tornarem-se"seres silenciosos",
num mundo cheio de ruídos do qual também elas fazem parte.
O procurar de ajuda psicológica, surge como uma nova situação que irá
desencadear na criança medo de falar, mas a utilização de várias técnicas
cognitivo-comportamentais permitirão em articulação com a família e a escola, o
seu superar. Em alguns dos casos uma abordagem farmacológica pode ajudar a
diminuir os seus níveis de ansiedade.
De seguida serão apresentadas algumas estratégias de intervenção que pais e
educadores/professores poderão adoptar para as auxiliar.
Aos pais sugere-se:
Estimular a comunicação do seu filho desde muito pequeno, de preferência quando
a criança começar a falar, para este aprender a expressar-se em diferentes
situações sociais, sabendo onde, como e com quem o deve fazer;
Ensinar pequenas tarefas de responsabilidade (p.e vestir-se, lavar os dentes,
por a mesa, arrumar o quarto, entre outras);
Evitar o uso de expressões depreciativas ("não tens vergonha; és sempre o
mesmo; nunca falas");
Evitar, na presença da criança ou em locais que esta possa escutar, falar do
seu problema com outras pessoas;
Não obrigar a criança a falar quando esta se recusa;
Não se zangar ou castigar por esta se negar a falar;
Não criar metas dificilmente atingíveis pela criança;
Não a obrigar a cumprimentar uma pessoa ou a aproximar-se desta ou de um local
que ela própria não deseja;
Evitar situações em que a criança apenas comunique sussurando ao ouvido,
dizendo"não te oiço","não percebo o que me dizes" de modo a
estimular a sua comunicação oral;
Atribuir-lhe tarefas em diferentes situações sociais (p.e ir pedir um gelado ao
Sr. do café);
Manter sempre a calma quando o seu filho tem demonstrações desadequadas de
falar;
Convidar amigos ou familiares para frequentarem com maior regularidade a sua
casa;
Programar saídas, onde estejam envolvidas outras pessoas que sejam estranhas
para a criança;
Permitir a inserção em outras actividades grupais extra-curriculares;
Ser paciente e quando o seu filho falar, não termine as suas frases, de modo a
evitar uma excessiva dependência;
Transmitir sempre tranquilidade e segurança, mas não a superproteger;
Ter uma boa articulação com a escola;
Aos Educadores/Professores sugere-se:
Deixar a criança comunicar por gestos e expressar os seus sentimentos e
pensamentos através de uma folha de papel ou de cartões apenas num primeiro
momento, o de estabelecer a relação, pois a partir de então começar a estimular
as pequenas verbalizações (p.e sim/não) e assim sucessivamente, certificando-se
sempre que a criança se sente confortável para passar ao passo seguinte;
Permitir o jogo lúdico, contar histórias e criá-las através de fantoches, falar
com ela sobre coisas que ela goste, até conseguir gerar um clima agradável e
descontraído;
Dar espaço para a criança decidir se quer ou não falar, utilizando expressões
encorajadoras ("tens tempo, podes falar hoje ou amanha, quando tu
quiseres");
Não a ignorar e dar-lhe a mesma atenção que dá às outras crianças;
Incentivar actividades não verbais; proporcionar oportunidades para falar mas
não a forçar (p.e quebra-cabeças, puzzles, jogos de tabuleiro);
Encorajar sempre a criança a intervir, não passando a sua vez, dando-lhe sempre
a oportunidade de apresentar uma resposta/resultado final;
Não deixar que outra criança desempenhe as tarefas ou responda a questões na
vez da criança com dificuldade em falar;
Incentivar a interacção social, permitindo a integração destas crianças no
grande grupo (turma), iniciando estas interacções em pequenos grupos, de
preferência com algum dos amigos com quem a criança mais se relacione,
alargando progressivamente o nº dos elementos do grupo, até se chegar ao grande
grupo, de forma a evitar o seu isolamento social;
Evitar que sejam criados rótulos depreciativos, evitando e corrigindo certas
verbalizações por parte das outras crianças ("Essa é a que não
fala";"Ela só se dá com o João, mais ninguém";"Nós já não a
convidamos para brincar, ela não fala");
Demonstrar a sua compreensão sempre que se aperceba que uma criança está a
sofrer porque não consegue resolver a tarefa proposta, utilizando expressões
encorajadoras ("Não te preocupes, aos pouco e poucos, tu irás
conseguir");
Contar histórias a toda a turma onde a temática seja o medo de falar e onde a
personagem principal o conseguiu superar, de modo que todas as crianças
compreendam este problema e percebam o que podem fazer para ajudar;
Reforçar positivamente e de forma individualizada, todas as intervenções
faladas ou não, sendo esse reforço significativo para a criança (p.e elogios
escritos, verbais);
Atribuir responsabilidades à criança (p.e marcar as presenças, distribuir
fichas de trabalho, recolher os trabalhos elaborados);
Ser empático e paciente.
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