domingo, 17 de janeiro de 2010

Adaptação de um Conteúdo curricular para cegos e com baixa visão.

1-Orientação e mobilidade
A deficiência visual, em qualquer grau, compromete a capacidade da pessoa de se orientar e de se movimentar no espaço, com segurança e independência.
Na idade pré-escolar, quando a criança está desenvolvendo sua capacidade de socialização, isso prejudica (ou até mesmo impede) o conhecimento do mundo ao seu redor e seu relacionamento com outras pessoas. É uma fase em que ela gosta de ter amigos, brincar e compartilhar os brinquedos. Se não puder desempenhar estes papéis, ficará insatisfeita e isolada, e isso trará prejuízos à sua aprendizagem.
Nos programas de estimulação precoce há técnicas especializadas para desenvolver o sentido de orientação usando o tato, a audição e o olfato, para que a criança possa se relacionar com os objetos significativos que estão ao seu redor. O treinamento da orientação e da mobilidade permite que a pessoa se movimente e se oriente com segurança na escola, em casa, no trânsito, de acordo com sua idade, inclusive com a apresentação de um ambiente por outra pessoa, que irá lhe informar minuciosamente os detalhes que envolve esse ambiente.
No ensino Fundamental entre 7 e 11 anos, a principal atividade da criança, com ou sem deficiência, é estudar. A aprendizagem das técnicas de leitura e escrita depende do desenvolvimento simbólico e conceitual do aluno, de sua maturidade mental, psicomotora e emocional. Esse processo não acontece de forma espontânea: é resultado da orientação e do estímulo oferecidos pelo professor, que escolhe um método e um processo de alfabetização.
Logo de início, o aluno com deficiência visual apresenta uma desvantagem básica: a perda (ou a redução) da visão. Falando de modo genérico, podemos destacar algumas características de seu processo de desenvolvimento, nesta faixa etária. Ele precisa de mais tempo para assimilar alguns conceitos, especialmente os abstratos;
Ele precisa ter estimulação contínua;
Ele tem dificuldade de interação, de apreensão, de exploração e domínio do meio físico;
Ele desenvolve mais lentamente a consciência corporal.
É importante que o professor e a família levem em conta as inevitáveis diferenças em relação à criança que enxerga, evitando fazer comparações.
A experiência e o aprendizado da criança portadora de deficiência visual dependem muito de seus outros órgãos dos sentidos. A falta de estímulos e de experiências que mobilizam os outros sentidos pode prejudicar a compreensão das relações espaciais e temporais e a aquisição de conceitos necessários ao processo de alfabetização.
A criança com baixa visão deve utilizar auxílios ópticos adequados e materiais pedagógicos adaptados, como textos com letras ampliadas. Ela também deve sentar-se na melhor posição possível na sala de aula, de onde tenha o melhor ângulo de visão da lousa.
Não há uma única regra que seja boa para todos os alunos: tudo depende do grau de visão e do tipo de patologia de cada um. Alguns terão maior facilidade com o sistema Braille e outros, com os tipos ampliados, que são letras de tamanho maior que o comum e com mais espaço entre uma linha e outra.
É preciso saber que a criança cega demora mais para conceber a idéia da leitura e da escrita. A criança que enxerga se habitua a ver letras, rótulos, palavras, a manusear livros e material impresso desde cedo; já a criança deficiente visual não tem esta mesma oportunidade. Ela geralmente só entra em contato com o mundo das letras no período escolar, o que retarda seu processo de alfabetização.
Se tiver um aluno cego em sua sala, o professor deve tomar alguns cuidados:
Ler o que está escrito na lousa;
Sempre que possível, passar a mesma lição para ele que foi dada para a classe;
Buscar o apoio do professor especializado, que ensinará à criança o sistema Braille e acompanhará o processo de aprendizagem;
Os estudantes e professores devem ter o cuidado de não criarem baixas expectativas, apenas com base na deficiência visual;
A mobilização de recursos pedagógicos para o aluno com deficiência deve ser considerada um direito dele;
O apoio ao aluno com deficiência deve ser considerado de responsabilidade de todos;
Disponibilizar com antecedência os textos e livros para o curso, considerando que a transcrição deste para formatos alternativos (por exemplo, a transcrição de textos para áudio, Braille ou disquete) demanda tempo adicional;
Se possível, o material de estudo deverá ser fornecido sob a forma de textos ampliados, textos em Braille, textos e aulas gravadas em áudio ou em disquete, de acordo com as necessidades do aluno e a possibilidade da escola. O aluno poderá ainda precisar utilizar auxiliares ópticos e equipamento informático adaptado, assim como apoio para trabalho de laboratório e do pessoal da biblioteca;
Durante as aulas, é útil identificar os conteúdos de uma figura e descrever a imagem e a sua posição relativa a itens importantes;
Substituir os gráficos, fluxogramas e tabelas por outras questões ou utilizar gráficos simples em relevo;
Transcrever em Braille as provas e outros materiais;
Possibilitar usar formas alternativas nas provas: o aluno pode ler o que escreveu em Braille; fazer gravação em fita cassete ou escrever com tipos ampliados;
Ampliar o tempo disponível para a realização das provas;
Evitar dar um exame diferente, pois isso pode ser considerado discriminatório e dificulta a avaliação comparativa com os outros estudantes;
Ajudar só na medida do necessário;
O professor deve ter um comportamento o mais natural possível, não devendo super proteger o aluno, ou pelo contrário, ignorá-lo.
É preciso que o ambiente seja organizado para promover ativamente o desenvolvimento por meio dos canais sensoriais que a criança possui, de modo tal que ela seja capaz de participar nas atividades cotidianas e de aprender como qualquer criança. Se a visão é uma função importante, é preciso destacar, como o faz Vigotski (2000), que a sua ausência ou deficiência não impede o desenvolvimento, embora possa limitar, principalmente, a sua dimensão social. Para combater esse efeito (secundário) da deficiência visual é preciso investir de forma consciente e planejada na organização de um ambiente que promova a interação social e a participação dessas crianças. A linguagem é um dos meios privilegiados de promover a interação e a constituição de sentido e, à medida que a criança cresce e participa de vários ambientes sociais, a sua importância será crescente.
O universo da criança se amplia consideravelmente quando ela ingressa na escola. Às relações estabelecidas no ambiente familiar somam se novas relações com adultos e com outras crianças.

2-Adaptação de um Conteúdo curricular para cegos e com baixa visão.

Quanto à adaptação de um conteúdo curricular, a questão central se refere à sustentação da participação das crianças com deficiência visual, em projetos para os quais o professor só está preparado para lidar com base em recursos visuais. Dentre tantos exemplos vou citar o projeto sobre meios de transporte. Entre as atividades desenvolvidas para a compreensão dos diferentes meios de transporte em uma cidade, foi montada uma maquete, composta por casas, carros e ônibus. A confecção desses itens foi feita pelas crianças, com orientação dos adultos, utilizando moldes em papel e cartolina, lápis e canetas de diversos tipos. Foram confeccionados bonecos em massa, para representar as pessoas, e montados semáforos. Os carros, também em cartolina, tinham rodas em EVA. A cena foi montada sobre uma grande folha de cartolina, na qual estavam traçadas ruas, indicadas por traços visíveis e em relevo. Em outro momento, além da montagem da cidade, foi simulado um lago (uma caixa plástica com água, com o entorno simulando uma colina), no qual foram colocados barcos de papel, também confeccionados junto com as crianças.
Outra atividade realizada foi a da explicação da flutuação. Foi utilizada uma bacia grande com água e, com a participação de todos do grupo, diferentes materiais foram colocados para verificar suas características de flutuação. As conclusões foram aplicadas à compreensão da flutuação dos barcos.
Quando da explicação dos trilhos do trem, foi montado um modelo de trilho (cartolina e madeira) e um conjunto de duas rodas de trem ligadas por um eixo (em cartolina), de forma a explicar como a roda se encaixa no trilho. As crianças foram encorajadas a manusear essas rodas sobre o trilho e foram feitos comentários sobre o que significa o descarrilamento de um trem.
Também gostaria de relatar a experiência interessante que envolveu a confecção de livros infantis, para um projeto de contação de histórias. Foram escolhidas quatro histórias infantis, usualmente utilizadas em projetos educacionais, e confeccionados os livros adaptados, com o texto em tipo ampliado, em letra de forma, de modo a favorecer a leitura por crianças com baixa visão, com o texto em Braille correspondendo ao texto em tinta. Para as ilustrações, decidiu-se que não se buscaria uma representação de cada uma das figuras dos livros originais. Foram selecionadas imagens representativas das principais cenas das histórias, em geral modificadas de forma a não representar a cena toda, mas sim poucos personagens ou elementos significativos. Estes foram caracterizados por figuras montadas com diferentes
recursos: EVA, tecido, lã (ex: as ovelhas eram feitas em lã costurada), contas (costuradas) para indicar olhos e outros detalhes, objetos miniatura. Observou-se a exploração das figuras e o tateio do texto, pelas crianças, com diferentes níveis de participação e semelhantes aos observados por crianças videntes, nos diferentes momentos de contato com o livro infantil. No que se refere à representação de figuras e cenas, é importante lembrar que não se trata de “traduzir” uma representação visual em seu correspondente tátil.
Gravuras é o resultado de séculos de história da arte, de soluções estéticas e representativas que envolvem perspectiva, gradação de tons e diferentes modos de indicar formas e volumes.
É possível e desafiador criar uma representação tátil, a partir da mesma temática que sugeriu uma representação visual (por exemplo, o texto de uma história infantil). Abre-se, assim, uma perspectiva pouco explorada até o presente, que transcende, em muito, a mera adaptação de material gráfico.

3-Preparar uma atividade lúdica (brincadeira)

No que se refere aos materiais lúdicos para desenvolver atividades lúdicas, é necessário que
tragam a informação de modo a ser reconhecida de forma tátil e visual. Essa exigência traz alguns desafios, pela necessidade de dispor, em um espaço limitado, informações táteis e visuais equivalentes, oferecendo, ao mesmo tempo, um material “claro” e “não poluído”.

Jogos de bingo

Um dos exemplos de adaptação envolve o jogo de bingo, que permite o trabalho com diferentes conceitos, com material a ser pareado por identidade (ex: formas ou números iguais no cartão sorteado e nas cartelas) ou relação entre atributos (ex: parte-todo, espécie e gênero, figura e palavra ou ícone correspondente). Em um exemplo de adaptação de um bingo de formas, essas foram desenhadas em material tateável e coladas sobre cada cartela e também em pequenos cartões, a serem sorteados. Vários tipos de materiais podem ser utilizados para preparar figuras em relevo, como é descrito com detalhe por Reily (2004). Outro detalhe: foi delimitado, na cartela, um lugar para colocar o marcador da figura já sorteada (como os feijões no bingo tradicional), reduzindo o risco de serem deslocados, no momento da colocação de novos marcadores, relativos a novas figuras sorteadas. Isso foi feito com o recorte de orifícios quadrados na cartela, em posição fixa em relação a cada forma, colando-se o conjunto todo sobre outra cartolina. Os “feijões”, ou peças para marcar figuras sorteadas, eram quadrados de EVA que se encaixavam nos orifícios. Isso permitiu muitas jogadas, bastante animadas, sem a perda da informação sobre as figuras já sorteadas para cada participante.

O exemplo citado mostra a viabilidade de criação de materiais que permitam a participação conjunta em atividades educacionais e lúdicas de crianças com e sem deficiência visual, em situações que, usualmente, são centradas em materiais que exigem a visão. É importante, entretanto, não reduzir a questão à elaboração de um acervo de materiais adaptados. É sempre importante estar atento à dinâmica de utilização dos mesmos, relacionada aos interesses e competências dos membros dos grupos, propondo renovação e readaptação dos recursos.

Um comentário:

  1. Esse blog é maravilhoso, auxília bastante as pessoas que trabalham com deficientes visuais, tornando mais fácil a vida e a interação dos mesmos na sociedade.

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